Comunistas da capital denunciam
situação grave na Câmara Municipal

Lisboa está nas mãos <br>da especulação imobiliária

Gustavo Carneiro
A maioria de direita na Câmara Municipal está, com o apoio do PS, a entregar Lisboa à especulação imobiliária. A denúncia é do PCP, que moveu processos judiciais contra a autarquia por negócios que prejudicam a cidade. As investigações aí estão e já há vereadores do PSD constituídos arguidos. Sobre a situação na capital, o Avante! foi falar com Carlos Chaparro, do Comité Central e responsável pela organização da cidade de Lisboa do PCP, João Nascimento e Isabel Guimarães, dirigentes do Partido na cidade.

O PCP denunciou o negócio ilegal envolvendo os terrenos da Feira Popular e do Parque Mayer. Os tribunais vieram dar razão aos comunistas

Os comunistas de Lisboa são unânimes a considerar que o principal problema que a cidade enfrenta é o projecto político da direita, iniciado com a vitória da coligação PSD-PP nas eleições autárquicas de 2001. Esse projecto, inicialmente encabeçado por Pedro Santana Lopes, prossegue hoje sob a presidência de Carmona Rodrigues. «Até pode haver alterações de estilo, mas o estilo não altera a substância das políticas», lembrou Carlos Chaparro.
O objectivo principal é «entregar em definitivo a cidade à especulação imobiliária, acusam os comunistas. A nova proposta de Plano Director Municipal, da maioria, prevê a transformação da cidade em «áreas de oportunidade». A filosofia desta proposta, prosseguiu Carlos Chaparro, é «abandonar o planeamento e dar aos urbanizadores a oportunidade de construir a cidade».
Os planos de pormenor requerem discussão pública obrigatória. Além do mais, lembrou Carlos Chaparro, é à Assembleia Municipal que cabe a aprovação destes planos e há todo um conjunto de normas para cumprir. Já os loteamentos podem ser aprovados «por despacho do vereador, não sendo sequer obrigatório ir à Câmara. Estamos a ver o que pode acontecer à cidade de Lisboa se este PDM passar».
Para João Nascimento, há actualmente projectos, em andamento ou já concluídos, que foram aprovados desta forma. Mas, alertou, o novo PDM, a ser aprovado, significaria a generalização e «legalização» destas práticas.
Carlos Chaparro lembrou que, no anterior mandato, a maioria PSD-PP e o PS aprovaram as chamadas «alterações simplificadas» do PDM, que vieram dar cobertura a um conjunto de negócios imobiliários prejudiciais para a cidade. Em Alcântara, por exemplo, antigas zonas industriais estão progressivamente a dar lugar a condomínios de luxo sem que o actual PDM a isso autorize.
Estas mudanças, feitas ao abrigo das alterações simplificadas do plano, são «completamente ilegais», denunciou Carlos Chaparro. «A lei é clara. Pode fazer-se alterações simplificadas do PDM sobre aspectos concretos e claramente definidos da lei.» O que se passa em Lisboa, disse, é que as chamadas «alterações simplificadas» constituem, na prática, uma revisão do PDM.

Afirmar um projecto alternativo

O PCP quer informar a população de Lisboa sobre as reais intenções da revisão do PDM proposta pela maioria PSD e apoiada pelo PS. Para isso, está a levar a cabo um conjunto de encontros com a população de várias zonas da cidade, particularmente sujeitas à especulação imobiliária. Foi o caso da zona Marvila-Beato, em encontro realizado no passado dia 15. Será também os casos de Alcântara, Benfica, Carnide, Lumiar ou Charneca, cujos encontros serão realizados nos próximos dias. O ciclo termina com um encontro com a população da zona histórica da cidade.
Para Carlos Chaparro, estes encontros com a população ganham ainda mais importância pois são os únicos que se realizarão em Lisboa sobre a revisão do PDM. Mais nenhuma força política os fará e a Câmara Municipal, «ao contrário do que a lei lhe impõe, não fez nenhum debate público».
Estas reuniões, sustenta o dirigente comunista, têm ainda como objectivo a afirmação do projecto alternativo para a cidade, corporizado na CDU. Para Carlos Chaparro, «precisamos que se alargue na população de Lisboa a consciência de que tem tudo a ganhar em derrotar a política de direita, venha ela de onde vier, e em reforçar a CDU, como a única força política que está em condições, porque tem de facto um projecto, de defender a cidade de Lisboa e a sua população.
No dia 24, o PCP realiza um encontro concelhio para fazer um ponto de situação, a meio do mandato, tanto da acção do Partido como da política da Câmara Municipal.

O caso Bragaparques
Ponta do icebergue da corrupção


No dia 23 de Janeiro, o Ministério Público e a Polícia Judiciária efectuaram buscas em instalações da Câmara Municipal de Lisboa e em casa de alguns vereadores da autarquia. Dias depois, a vereadora do urbanismo da CML, Gabriela Seara, eleita pelo PSD, era constituída arguida.
Estas investigações, em curso, decorrem das acções movidas pelo PCP no Tribunal Administrativo de Lisboa, em Agosto de 2005, contra a Câmara Municipal de Lisboa, por negócios ilegais e contrários aos interesses da cidade e da sua população. Para além deste negócio, envolvendo a Bragaparques e os terrenos do Parque Mayer e da antiga Feira Popular de Lisboa, há mais seis acções em tribunal movidas pelos comunistas – relativas aos negócios de urbanizações em Alcântara, na Boavista, no Vale de Santo António e às alterações simplificadas do PDM (ver texto principal).
Em causa neste processo estão dois actos administrativos: a permuta do Parque Mayer por uma parte dos terrenos da antiga Feira Popular e a venda em hasta pública da parte restante destes terrenos. Num documento do PCP de dia 2 de Fevereiro, explica-se que «para realizar a permuta tinha de se conhecer as possibilidades de construção para o Parque Mayer e para Entrecampos, e isso só se poderia conhecer por um instrumento: o plano de pormenor». Acontece que não havia plano, nem para um caso nem para o outro, o que torna este negócio ilegal.

Câmara «prejudica-se» em favor da Bragaparques

Mas há mais, denunciou Carlos Chaparro. Os terrenos do Parque Mayer, até há pouco tempo propriedade da Bragaparques , foram sobrevalorizados pela autarquia, que os avaliou muito acima dos terrenos da Feira Popular. «Só pelos factores de troca, a Bragaparques ganhou 40 milhões de euros», acusou. A empresa, prosseguiu o dirigente do PCP, «apesar de não ter feito ali nada, vendeu os terrenos à Câmara Municipal pela avaliação que esta fez, ou seja, por 54 milhões de euros». Tinha-os comprado, anos antes, por 14 milhões…
Assim, a Câmara fica com o Parque Mayer, «onde vai ter que construir uma determinada área de “cultura”», afirmou Carlos Chaparro. Já a Bragaparques fica com os terrenos da antiga Feira Popular, onde «podem construir em altura e onde ficam com acesso directo para duas das principais artérias de Lisboa, a Avenida da República e a Avenida 5 de Outubro». Tudo com base na avaliação dos terrenos feita pela autarquia, que considera que os terrenos para construção de equipamentos culturais, o Parque Mayer, são mais valiosos do que os da Feira Popular, onde serão construídos prédios de habitação e serviços, numa zona central da cidade.
No caso da hasta pública e do alegado «direito de preferência» da Bragaparques , os comunistas consideram que este direito só seria válido se tivesse sido aprovado na Câmara e na Assembleia Municipal. Não tendo havido essa aprovação, não existe direito de preferência e esta parte do negócio é, também ela, ilegal.

PSD, PP, PS e BE
Os «arguidos políticos»


Para além dos responsáveis políticos constituídos arguidos pelo Ministério Público, há também os «arguidos políticos» de todo este processo. Na opinião do PCP, estes são o PSD, o PP, o PS e o BE, que aprovaram o negócio da permuta dos terrenos em Assembleia Municipal. O PCP lembra ainda que, no anterior mandato, a coligação de direita não detinha maioria absoluta na Assembleia Municipal e que o negócio só passou porque contou com os votos do PS e do BE.
O PS é, na opinião dos comunistas, co-responsável pela difícil situação que se vive na autarquia da capital. «O PS aprovou os planos e orçamentos da direita – à excepção do último de Santana Lopes –, viabilizou sempre o essencial das políticas, nomeou administradores para a Empresa Pública de Urbanismo de Lisboa (EPUL), para as Sociedades de Reabilitação Urbana e para a Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa», denunciou Carlos Chaparro, sublinhando que o PS é «parte do problema e nunca parte da solução».
Quanto ao Bloco de Esquerda, que afirma agora estar «arrependido» pelo voto favorável nesse negócio, o dirigente do PCP considera-o um partido «sem qualquer projecto para a cidade». «O Bloco funciona sempre na perspectiva do populismo, tentando estar sempre na crista da onda no que diz respeito à comunicação social.» Exemplificando, Carlos Chaparro deu como exemplo a aprovação, com o apoio do BE, de um quadro de pessoal com contrato individual de trabalho, precário. «Estamos a falar de uma questão fundamental para mil e quinhentos trabalhadores do município, que estão a prestar um serviço público, alguns há mais de oito anos». O PCP propôs a sua integração nos quadros da Câmara Municipal.

Eleições podem não ser solução

O PCP «não exclui a realização de eleições antecipadas, mas não as reivindica». Estas eleições, a existirem, seriam sempre intercalares e apenas para a Câmara Municipal. Isto levaria a que a direita mantivesse a maioria na Assembleia Municipal e em 32 freguesias. Daí o PCP afirmar que, podendo vir a realizar-se, as eleições «podem não ser solução nenhuma».
Para os comunistas, há um outro aspecto que é preciso não esquecer: «as eleições dependem, no essencial, do PSD e só há eleições se o PSD quiser que haja.» Não há nenhum órgão legal que possa demitir a actual maioria, lembrou Carlos Chaparro.
Contudo, se essa vier a ser a solução, os comunistas aproveitarão a oportunidade para continuar a denunciar a política de direita seguida em Lisboa pelo PSD, PP e PS, e afirmar o projecto alternativo da CDU, afirmaram os três dirigentes.

Lisboa ou Singapura?

Lisboa está a ser descaracterizada na sua população. Quem o afirma é Isabel Guimarães, referindo-se aos bairros históricos da capital. A dirigente comunista lembra que no Castelo e noutros bairros adjacentes, «temos já grandes alterações no tecido social».
A reabilitação que tem vindo a ter lugar naquela zona, denunciou, serviu para deslocar pessoas para outras zonas da cidade, estando os prédios actualmente a ser alugados a pessoas com uma capacidade económica «completamente diferente».
João Nascimento concorda e acrescenta que a baixa pombalina padece do mesmo mal. Nascido e criado naquela zona da capital, destaca que os seus filhos cresceram já em zonas suburbanas porque, acusa, «não se permitiu a continuidade dos bairros históricos na sua população».
Denunciando o projecto de reabilitação da Baixa-Chiado, Carlos Chaparro afirmou que a ideia deste projecto não é, efectivamente, a devolução daquela zona de Lisboa a gente de todas as classes sociais, mas apenas às «elites das elites». O dirigente comunista recordou que, no tempo da coligação, foram libertados alguns espaços para o funcionamento de residências universitárias e para a instalação de cooperativas de habitação para jovens. Com a vitória da direita, tudo se alterou.
Carlos Chaparro denunciou ainda a identidade dos senhorios da maioria dos edifícios da Baixa pombalina: o Estado, a Câmara Municipal de Lisboa e algumas das mais importantes empresas do sector financeiro.
Alcântara é outra das zonas a ser fortemente descaracterizada. Para João Nascimento, já hoje existem muitos condomínios fechados naquela parte da cidade. Carlos Chaparro lembrou o projecto que incluía as torres desenhadas pelo arquitecto Siza Vieira, entretanto abandonado, e um outro contendo outra torre. «O actual PDM não permite esse tipo de edifícios em altura, sobretudo na zona que marca a cidade», afirmou o dirigente do PCP. «Isto não é uma qualquer Singapura», assumiu.
Os dirigentes comunistas lembraram ainda que também a política nacional prejudica a cidade, dando o exemplo da venda de património público, como o Instituto Português de Oncologia ou a Penitenciária de Lisboa. A intenção é, novamente, a especulação imobiliária.


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